
Sempre que ocorre um acidente grave, com vítimas fatais (e, infelizmente, isso tem ocorrido com grande freqüência), os jornais apelidam o Eixo Rodoviário de “Eixão da Morte”. Surgem, então, diversas propostas para enfrentar o problema. Em decorrência do último grande desastre automobilístico, foi divulgada a idéia de se implantar “guard-rails” ou outras barreiras adotadas em rodovias (talvez do tipo New Jersey), na separação entre as duas pistas. Claro que algumas vozes contrárias se levantaram, alegando tratar-se de área tombada e propondo a manutenção do “status quo”.
A leitura atenta do memorial do plano piloto de Brasília nos mostra a sensibilidade de Lúcio Costa para com o aspecto vivencial de Brasília, caracterizando ao lado da monumental “civitas”, a “urbs”, ou, nas suas próprias palavras: “... cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à especulação intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, num foco de cultura dos mais lúcidos do país”.
Em referência específica ao eixão, assim se expressou o grande mestre do urbanismo: “E houve o propósito de aplicar os princípios francos da técnica rodoviária _ inclusive a eliminação de cruzamentos _ à técnica urbanística, conferindo-se ao eixo arqueado, correspondente às vias naturais de acesso, a função circulatória-tronco, com pistas centrais de velocidade e pistas laterais, para o tráfego local, e dispondo-se ao longo desse eixo o grosso dos setores residenciais”.
Por outro lado, a preocupação com o verde assim se expressa no texto de Lúcio Costa: “Quanto ao problema residencial, ocorreu a solução de criar-se uma seqüência contínua de grandes quadras dispostas em ordem dupla ou singela, de ambos os lados da faixa rodoviária e emolduradas por uma larga cinta densamente arborizada, árvores de porte, prevalecendo em cada quadra determinada espécie vegetal, com chão gramado e uma cortina suplementar intermitente de arbustos e folhagens, a fim de resguardar melhor, qualquer que seja a posição do observador, o conteúdo das quadras visto sempre num segundo plano e como que amortecido na paisagem.”
Decorridos 30 anos da apresentação do plano-piloto, a seu autor manifestou-se no relatório Brasília revisitada (1987): “Não menos evidente é o fato de que – por todas as razões – a capital é histórica de nascença, o que não apenas justifica mas exige que se preserve, para as gerações futuras, as características fundamentais que a singularizam”. Prosseguindo: “É exatamente na concomitância destas duas contingências que reside a peculiaridade do momento crucial que Brasília hoje atravessa: de um lado, como crescer assegurando a permanência do testemunho da proposta original, de outro, como preservá-la sem cortar o impulso vital inerente a uma cidade tão jovem”.
Estamos agora, praticamente às vésperas do cinqüentenário da inauguração de Brasília. Já faz mais de cinqüenta anos da elaboração da proposta urbanística. A técnica rodoviária evoluiu, assim como a fabricação de veículos, hoje muito mais potentes e velozes e, sobretudo, muito mais numerosos (aumentando cada dia). Dessarte, faz sentido a colocação de uma proteção na faixa central do eixo rodoviário-residencial, haja vista que se destina a preservar vidas humanas. Isso não implica em descaracterização dos aspectos fundamentais do plano-piloto, a saber suas quatro escalas urbanas: a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica.
Entretanto, a simples colocação de “guard-rails” ou outra barreira seria altamente antiestética. Afinal, trata-se da rodovia mais importante do país, cartão postal de sua capital. A volumetria paisagística tem uma grande importância na proposta urbanística de Brasília, como está claro na memória descritiva do plano-piloto. Assim, entendemos que há necessidade de um estudo paisagístico para se definir uma solução: uma cortina de arbustos e folhagens sobre chão gramado, intercalada com canteiros de flores, cobrindo e disfarçando a barreira metálica ou de concreto?
Estamos seguros da importância atribuída ao paisagismo por Lúcio Costa e certos de que a idéia ora apresentada, além de melhorar a segurança rodoviária, contribuirá para o embelezamento de Brasília, e fará cair no esquecimento o Eixão da Morte, que se transfomará no Eixo Verde e das Flores.
CARLOS ROBERTO MOURA
Presidente da Febrae

Início do Eixo Rodoviário sul, a partir da Rodoviária. Foto: 9-Set-2003 (inverno / winter).